Mudanças na Ficha Limpa não devem beneficiar Arruda, dizem ex-ministros
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Juristas apontam que a nova lei não retroage para casos já julgados, preservando o princípio da moralidade administrativa
As recentes alterações na Lei da Ficha Limpa reacenderam o debate político e jurídico sobre quem poderá ou não disputar as eleições de 2026. A Lei Complementar nº 219/2025, sancionada com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ajusta prazos e critérios de inelegibilidade, mas, segundo ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não poderá ser aplicada de forma retroativa para beneficiar políticos já condenados, como o ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (PL).
O texto aprovado pelo Congresso previa a possibilidade de unificar condenações e reduzir o tempo de inelegibilidade, o que abriria brecha para reverter restrições anteriores. Contudo, Lula vetou os trechos que tratavam expressamente da retroatividade. Para o ex-ministro do TSE Carlos Horbach, esse veto mantém o entendimento consolidado de que a moralidade administrativa, princípio previsto na Constituição, deve prevalecer sobre eventuais benefícios pessoais. “A Ficha Limpa não é norma penal, portanto não se aplica o princípio da retroatividade mais benéfica”, explicou.
Na mesma linha, o ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello ressaltou que mudanças dessa natureza não podem alcançar situações já julgadas. Segundo ele, a segurança jurídica seria comprometida se a cada nova alteração legislativa processos encerrados fossem reabertos. Essa leitura reforça que a nova lei tem efeitos apenas para casos futuros, não alterando condenações transitadas em julgado.
No caso específico de Arruda, a defesa tenta argumentar que as condenações por improbidade administrativa devem ser tratadas como um único conjunto de fatos, o que permitiria uma contagem unificada de prazos. Especialistas, porém, divergem. Para juristas consultados, as decisões se referem a contratos e ações distintas, tornando a unificação juridicamente inviável. Com isso, o ex-governador seguiria inelegível até, pelo menos, 2032, uma vez que possui condenações em diferentes anos, como 2018 e 2024.
O debate, no entanto, ainda não está encerrado. A Rede Sustentabilidade ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7.881) no Supremo Tribunal Federal, questionando a validade das mudanças. A relatoria do caso ficou com a ministra Cármen Lúcia, que pediu manifestação do Congresso e da Presidência da República em rito acelerado. A decisão do STF deve definir de forma definitiva os efeitos da nova legislação e o alcance de sua aplicação sobre casos já julgados.
Enquanto isso, a leitura majoritária entre os especialistas é clara: as alterações não devem abrir caminho para a reabilitação política de condenados. O objetivo original da Ficha Limpa, criado para proteger o interesse público e garantir eleições pautadas pela ética, segue preservado — mesmo diante de tentativas de reinterpretação. Para os juristas, retroagir a lei seria um retrocesso na luta por transparência e moralidade no cenário político brasileiro.